terça-feira, março 15, 2005
Dia Mundial da Poesia I
Ana Hatherly
As lágrimas do poeta
Um poeta barroco disse
as palavras são
as línguas dos olhos
Mas o que é um poema
senão
um telescópio do desejo
fixado pela língua?
O voo sinuoso das aves
as altas ondas do mar
a calmaria do vento:
Tudo
tudo cabe dentro das palavras
e o poeta que vê
chora lágrimas de tinta.
Príncipe
Príncipe:
Era de noite quando eu bati à tua porta
E na escuridão da tua casa tu vieste abrir
E não me conheceste.
Era de noite
São mil e umas
As noites em que bato à tua porta
E tu vens abrir
E não me reconheces
Porque eu jamais bato à tua porta.
Contudo
Quando eu bati à tua porta
E tu vieste abrir
Os teus olhos de repente
Viram-me
Pela primeira vez
Como sempre de cada vez é a primeira
A derradeira
Instância do momento de eu surgir
E tu veres-me.
Era de noite quando eu bati à tua porta
E tu vieste abrir
E viste-me
Como um náufrago sussurrando qualquer coisa
Que ninguém compreendeu.
Mas era de noite
E por isso
Tu soubeste que era eu
E vieste abrir-te
Na escuridão da tua casa.
Ah era de noite
E de súbito
Tudo era apenas lábios pálpebras
Intumescências cobrindo o corpo de flutuantes
Volteios de palpitações trémulas adejando
Pelo rosto beijava os teus olhos por dentro
Beijava os teus olhos pensados
Beijava-te pensando
E estendia a mão
Sobre o meu pensamento corria para ti
Minha praia jamais alcançada
Impossibilidade desejada
De apenas poder pensar-te
São mil e umas
As noites em que não bato à tua porta
E vens abrir-me
As Palavras Aproximam
As palavras aproximam:
Prendem-soltam
São montanhas de espuma
Que se faz-desfaz
Na areia da fala
Soltam freios
Abrem clareiras no medo
Fazem pausa na aflição
Ou então não:
Matam
Afogam
Separam definitivamente
Amando muito muito
Ficamos sem palavras