terça-feira, março 22, 2005
Dia Mundial da Poesia III
Casimiro de Brito
Fragmentos do “Livro das Quedas”
1
Um homem
vai no seu corpo
e subitamente
cai. Ouço
desmoronar-se
a sílica do coração.
E ouço também
a terra e o ar
acolherem os ossos
do filho pródigo.
Em si este acontecimento
não é nada original
mas dói. O vento
do Outono
morde-me os ossos
e dói.
201
Quem amou ainda ama,
vai ouvir a vida inteira a canção furtiva,
vai ouvi-la e cantá-la
ao acaso dos ventos que trazem
do Ocidente e do Oriente
árvores e respirações animais
que supuram a febre do mundo — quem amou
ainda ama, vai cantar
a vida inteira
o ninho de mulheres onde se reúnem
a terra e o céu, vai aceitar
o domínio das águas sedentas
sobre o osso e a pedra: o grande ofício
é transformar a terra em osso
e o osso em carne
desamparada. Quem amou
não sabe nada, vai cair
a vida inteira. Mas que força é essa, se não é
um saber? Um saber de bocas invisíveis
e do enigma das águas que são álcool
da carne e pássaro que regressa
ao ninho da mãe. Quem amou
vai amar
a vida inteira.
415
Esta coisa a que chamam amor
é uma criança que salta onde sou velho,
eu que venho de milénios viajando
de reino em reino. Pó
intenso.
Salto e danço e sou contaminado
por águas montanhosas que mantêm para sempre
o rio febril. As árvores, na margem,
dobram-se à sua passagem.
Posso chamar-lhe amor,
pensar na luz crua do nascimento ou simplesmente
nascer de novo sem desejar
coisa nenhuma. Pensar é exercício de palavras
e há momentos em que só o silêncio
ou o sexo no sexo
ou um grito
dizem o que há para dizer.
Heraclito. Platão.
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Colocar imagens de livros/incunábulos ou pessoas ligadas à Biblioteca era interessante.
patrimonios.blog.com
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DO POEMA
O problema não é
meter o mundo no poema; alimentá-lo
de luz, planetas, vegetação. Nem
tão-pouco
enriquecê-lo, ornamentá-lo
com palavras delicadas, abertas
ao amor e à morte, ao sol, ao vício,
aos corpos nus dos amantes —
o problema é torná-lo habitável, indispensável
a quem seja mais pobre, a quem esteja
mais só
do que as palavras
acompanhadas
no poema.
in Canto Adolescente, 1961
transcrito de
http://casimirodebrito.no.sapo.pt/1pag.htm
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O problema não é
meter o mundo no poema; alimentá-lo
de luz, planetas, vegetação. Nem
tão-pouco
enriquecê-lo, ornamentá-lo
com palavras delicadas, abertas
ao amor e à morte, ao sol, ao vício,
aos corpos nus dos amantes —
o problema é torná-lo habitável, indispensável
a quem seja mais pobre, a quem esteja
mais só
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acompanhadas
no poema.
in Canto Adolescente, 1961
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