sexta-feira, abril 22, 2005

 

As minhas palavras-chave II

A um ti que eu inventei

Pensar em ti é coisa delicada.
É um diluir de tinta espessa e farta
e o passá-lo em finíssima aguada
com um pincel de marta.

Um pesar de grãos de nada em mínima balança,
um armar de arames cauteloso e atento,
um proteger a chama contra o vento,
pentear cabelinhos de criança.

Um desembaraçar de linhas de costura,
um correr sobre lã que ninguém saiba e oiça,
um planar de gaivota como um lábio a sorrir.

Penso em ti com tamanha ternura
como se fosses vidro ou película de loiça
que apenas com o pensar te pudesses partir.

António Gedeão, Máquina de Fogo, 1961

Comments:
Hoje perdemos um poeta. Deixou-nos palavras que perdurarão para além de todo o sempre.

Leio e releio a sua obra e nas palavras sentidas e não ditas, encontro aquelas que são e serão sempre, as minhas palavra-chave.


Urgentemente

É urgente o Amor,
É urgente um barco no mar.

É urgente destruir certas palavras
ódio, solidão e crueldade,
alguns lamentos,
muitas espadas.

É urgente inventar alegria,
multiplicar os beijos, as searas,
é urgente descobrir rosas e rios
e manhãs claras.

Cai o silêncio nos ombros,
e a luz impura até doer.
É urgente o amor,
É urgente permanecer.

Eugénio de Andrade
 
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